quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Quase um incunábulo!!!

Bem, estando este livro datado de 1583, o "quase" ainda é um período de 83 anos que o separa da data que se convencionou adoptar como limite para se considerar um livro como incunábulo - 1500.
Mas gostava de ter um, lá isso gostava...

Como é sabido, a invenção da imprensa, isto é, a utilização de tipos metálicos  móveis para imprimir texto sobre papel,  deve-se a Johannes Gutenberg (c.1398 -1468) que nasceu e morreu na cidade alemã de Mainz, também conhecida em português como Mogúncia, e daí revolucionou o acesso ao conhecimento e a  história da humanidade.
 Depois de desenvolver o seu invento por mais de uma década, fez por este processo uma magnífica edição da Bíblia, a Bíblia Latina, publicada em 1455. Esta foi a sua obra maior, sendo conhecida por "Bíblia de Gutenberg" ou "Bíblia das 42 linhas", de que existem hoje 48 cópias conhecidas.
Bullshead watermark from unidentified page
Página da Bíblia de Gutenberg
 Todos os livros impressos em vários países da Europa, incluindo Portugal, entre 1455 e 1500 são os chamados incunábulos, termo que vem do latim "in cuna" ou seja "no berço", referindo-se aos primeiros tempos do uso da imprensa.

                          

Este foi  um dos meus salvamentos numa feira de velharias, há já uns 8 ou 10 anos. Estava em monte com outros livros e eu tive a sorte de reparar que tinha a data de 1583, não na folha de rosto, que está rasgada, mas na última página impressa.
Trata-se de uma enciclopédia escrita em latim no séc. XIV, dividida em 10 livros, cada um deles versando um tema diferente,  sobre  a natureza, as artes, as leis e a moral, e por sua vez divididos em capítulos.
O autor, Joanne de Santo Geminiano, nasceu em Itália no final do séc. XIII e lá morreu, supõe-se que em Siena, em 1323. Tomou o hábito dominicano em Siena e já era conhecido em toda a Itália como pregador quando se dedicou a esta obra, cujo manuscrito foi completado em 1313.
A primeira edição impressa foi publicada em 1477 e ainda houve várias edições no séc. XV, portanto incunábulos. A partir daí, por todo o séc. XVI e XVII, fizeram-se edições desta obra em várias cidades europeias:  Veneza, Antuérpia, Lyon e Frankfurt são as que eu já vi referenciadas.
No caso desta minha edição, que pela data e pelo nome do tipógrafo terá saído de uma oficina de Antuérpia, os dez livros da enciclopédia estão contidos num único volume de 546 páginas com caracteres minúsculos.
São os seguintes os títulos dos dez livros:
1 - De Caelo et Elementis (sobre o céu e os elementos);
2 - De Metallis et Lapidibus (sobre os metais e as pedras);
3 - De Vegetabilibus et Plantis (sobre os vegetais e as plantas);
4 - De Natatilibus et Volatilibus ( sobre os nadadores e os voadores);
5 - De Animalibus Terrestribus (sobre os animais terrestres);
6 - De Homine et Membris eius (sobre o homem e os seus membros);
7 - De Visionibus et Somniis (sobre as visões e os sonhos);
8 - De Canonibus et Legibus (sobre os cânones e as leis);
9 - De Artificibus et Rebus Artificialis (sobre as artes e as coisas artificiais);
10 - De Actibus et Moribus Humanis (sobre os actos e os costumes humanos).
Como se vê, uma obra muitíssimo abrangente se nos lembrarmos que foi escrita no início do séc. XIV. Nas últimas 26 páginas tem um índice por ordem alfabética de todos os assuntos tratados.

O estado de conservação não é bom, mas pode considerar-se razoável, dada a idade do exemplar: para além da folha de rosto rasgada, faltam-lhe algumas páginas pelo meio e há muitos picos de traça que, no entanto,  não afectam o texto.
Tem encadernação de pele, in-oitavo - tamanho dos cadernos que corresponde à divisão das folhas de papel em oito partes -  mas é mais recente do que a edição, porque as páginas originais  foram guilhotinadas. Na verdade, quase não existe margem superior talvez para que o livro coubesse melhor entre prateleiras.

Página de rosto completa de um exemplar com a mesma edição do meu

3 comentários:

  1. Também me encanto com as histórias únicas que cada livro antigo viveu. Talvez seja um sentimento ultra-romântico, aquele que nos leva a gostar de livros que já ninguém lê, escritos numa língua que cada vez menos gente lê ou escreve, o latim.

    E no entanto, há sempre qualquer coisa que nos desperta a atenção. Por exemplo, nessa obra chamou-me a atenção a divisão em classes do conhecimento humano, que na época se fazia, tão diferente da de hoje. Enfim, como durante muito anos classifiquei livros segundo a classificação decimal universal e fiquei sempre com uma pontinha de curiosidade por conhecer a história das classificações por assuntos ao logo dos tempos.

    Quanto à encadernação, segundo o que aprendi, os livros eram normalmente vendidos por encadernar. Só numa fase muito posterior, iam à guilhotina e eram encadernados. Muitas vezes, para se poupar dinheiro, mandavam-se encadernar três ou quatro obras diferentes numa única capa e quem cataloga estas velharias ao desfolhar um volume, abre uma verdadeira caixa de Pandora e descobre uma dúzia de títulos de diferentes épocas e de diferentes autores.

    Abraços Luís

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  2. Sabe, Luís, o q eu acho q me atrai nestes livros antigos é o facto de eles serem verdadeiras cápsulas do tempo, ao manuseá-los temos diante dos olhos exactamente o mesmo texto q foi lido e permitiu o acesso ao conhecimento de gerações muito anteriores a nós. Gosto de os folhear e de me inteirar dos assuntos por capítulo, de analisar a folha de rosto e saber onde e quando foram impressos, de verificar se há gravuras pelo meio, de ver a quem são dirigidas as dedicatórias, etc. e depois ir pesquisar na internet sobre a obra e o autor...
    No caso deste, ficámos a saber como o conhecimento estava organizado no final da Idade Média e como esse conhecimento não perdeu actualidade já em plena Idade Moderna, uma vez q o livro teve ainda muitas edições nessa época e em vários países.
    Quanto às encadernações poderem conter várias obras, eu própria já constatei isso mesmo sobretudo com livros de índole religiosa. Pensava q estava a comprar um livro e depois saíram-me vários do séc. XVIII.
    É um mundo muito aliciante de descobertas constantes...
    Um abraço

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